Segredo na pesquisa e publicação livre

Atualizado há 7 anos


A pesquisa caracterizou-se historicamente como uma atividade livre. Os pesquisadores procuravam divulgar, tanto quanto possível, suas descobertas para receberem os méritos acadêmicos. O resultado das pesquisas era considerado, na maior parte dos casos, como um bem comum da humanidade. Esta visão sempre teve limitações, algumas trágicas como o assassinato de arquitetos de tumbas egípcias, logo após a conclusão das mesmas, para que o conhecimento do segredo de sua construção não se difundisse. Invenções ligadas à guerra, também, sempre foram restritas. A pesquisa mais ampla, tradicionalmente foi considerada pública. Muitas vezes uma equipe ou pesquisador mantém um período de silêncio e discrição até que os resultados estejam suficientemente “maduros” para a publicação.

A abertura na publicação dos resultados é uma conseqüência direta do método científico que consiste em criar uma hipótese, validá-la ou negá-la por prova experimental, tirar as conclusões e divulgar os resultados bem como os detalhes das experiências. Isto é essencial para que outros pesquisadores possam verifica a correção do trabalho. Esta abertura é parte essencial da ciência. A liberdade de divulgação da pesquisa permite que sejam descobertos erros, que novas idéias sejam criadas e que a velocidade de obtenção dos resultados seja multiplicada. Outra característica é o estímulo à fertilização cruzada de idéias com a aplicação dos resultados em campos correlacionados. Isto ocorre atualmente com a aplicação de resultados de física em problemas econômicos.

A liberdade é fator essencial para a pesquisa, nas Universidades é o elemento básico. Sem a liberdade na pesquisa e na prática do ensino a sociedade acaba sofrendo as conseqüências. A Universidade deverá assegurar a plena liberdade de estudo, pesquisa, ensino e expressão, permanecendo aberta a todas as correntes de pensamento, isto é conhecido como “Liberdade de Cátedra”. Vou citar dois contra exemplos onde a perda da liberdade causou ou causa efeitos muito negativos. O “Caso Lisenko”: quando, em 1948, Stalin – apoiado pelo ministro da Agricultura Lisenko – declarou as teorias da hereditariedade de Mendel como burguesas e banidas da URSS, décadas depois a agricultura soviética sofre as conseqüências. O segundo é atual e ocorre no regime oponente ao anterior, a liberdade às pesquisas em células tronco é grande pois o tema está sendo tratado com bases não científicas e com preconceitos religiosos, nossa saúde pagará o preço quando não tivermos as possíveis tecnologia para tratar doenças degenerativas, entre outras. Os dois casos evidenciam que a falta de liberdade trás resultados negativos. Por outro lado só a liberdade de pesquisa não é suficiente, é preciso, ainda a liberdade de difusão da mesma.

A Publicação Livre estimula a difusão do conhecimento, mas uma tendência muito forte se contrapõe a esta abertura: os interesses econômicos ligados à pesquisa tecnológica. Esta é outra, e mais insidiosa, forma de tirar a liberdade. Os fatores negativos surgem em duas frentes: na primeira desaparece o financiamento para as pesquisas não engajadas no desenvolvimento econômico (mata-se a pesquisa fundamental ou não aplicada), na segunda frente são criados empecilhos para a publicação de resultados de trabalhos com parceiros industriais. A pesquisa está, aos poucos, sendo privatizada. Um artigo muito interessante da Wired News chama-se “When Secrecy Stops Science”, o título diz tudo! A privatização da pesquisa está tornando muitos resultados de trabalhos de investigação indisponíveis para a comunidade acadêmica. A tendência de muitos pesquisadores, de esconder ou retardar ao máximo seus segredos científicos, dado o interesse comercial nos eventuais resultados, tem preocupado cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, MIT, e da Associação Americana para o Progresso da Ciência, AAAS. A ponto de organizarem uma conferência para discutir o assunto. Denominada: Secrecy in Science, a conferência se realizou em março de 1999, no campus do MIT, em Cambridge, EUA. O problema se ampliou desde aquela data como podem verificar concultando o link acima.

O nível de segredo na difusão dos resultados da pesquisa não é dividido entre abertura total ou segredo total, é muito mais complexo. O nível de segredo na Ciência pode ser classificado em:

1. Ciência Secreta, quando mesmo a existência do projeto é sigilosa.

2. Ciência Restrita: quando a publicação dos resultados está sujeita a limitações estritas em relação ao tempo ou aos detalhes. Muitas pesquisas ligadas ao governo e a empresas está incluída nesta categoria.

3. Ciência Circunspecta: os pesquisadores só publicam os resultados quando o projeto está concluído ou quase. Uma boa parte da pesquisa acadêmica se encontra aqui.

4. Ciência Aberta: trata dos projetos que se desenvolvem de acordo com um esforço, ainda embrionário, para definir um Protocolo Aberto para a Ciência (Open Science Protocol). O objetivo deste protocolo é atingir, na Ciência, algo similar ao que já conseguimos com as regras de publicação e distribuição do software livre.

Como conclusão gostaria de pedir que cada um de nós fizesse uma análise profunda sobre o nível de segredo aplicado aos projetos em que participamos, aos projetos de nossas universidades e de nossas empresas. Após esta análise será mais fácil ver se o eventual segredo está facilitando e aumentando a qualidade da pesquisa ou se está apenas tentando aumentar o lucro de um grupo. Minha resposta é que a liberdade de pesquisa e de difusão dos resultados não só melhora a qualidade e aumenta a quantidade dos resultados como aumenta o resultado econômico global para a Sociedade, pois permite a entrada de mais concorrentes no mercado. Estes concorrentes levarão à redução dos custos para os consumidores, a melhora dos produtos devido à livre competição, e ao aumento das possibilidades de trabalho e de renda. No final os resultados serão muitos maiores do que se a pesquisa ficasse fechada no âmbito de uma empresa.

(Acessos 284)