A carreira na universidade

Atualizado há 12 meses


Rede de contatosHá algum tempo enviei uma mensagem para a lista da Sociedade Brasileira de Computação sobre as carreiras na Universidade, o objetivo era fazer uma provocação e coletar opiniões sobre o assunto. Em paralelo ocorreu esta publicação na mídia impressa: “Número de de ensino superior diminui pela 1º vez em 5 anos” e “Ensino superior tem quase 1,5 milhão de vagas ociosas” – algo está mudando e precisamos repensar muito o nosso modelo de Universidade Pública. Na semana passada, com a publicação do resultado das duas primeiras fases do novo sistema de acesso às Universidades Federais, ficou evidente que há mais vagas disponíveis do que candidatos com condições de ocupá-las. Depois da postagem recebi muitas contribuições aos autores das quais gostaria de agradecer. Esta crônica é o resultado da mensagem inicial muito enriquecida com as contribuições recebidas.

Vídeo apresentando toda a carreira de estudos.

É o primeiro da playlist Vida de Estudante.

A conseqüência clara é que passamos e passaremos a receber um público muito menos preparado e somos obrigados a repensar o modelo de Universidade. Claro que a solução deve ser a qualificação do ensino anterior à Universidade, mas isto é um logo caminho. Além disto há problemas sócio-econômicos que devem ser enfrentados, porque tantos pensam que a Universidade é o seu caminho de realização profissional? Porque muitos não preferem carreiras técnicas com retorno mais rápido e muitas vezes mais rentável? Há  cerca de três anos toquei neste assunto na crônica Para que Diploma? (Nov 06). Agora com a enorme série de concursos no ano que vem nas Federais precisamos definir que carreiras precisamos, talvez seja tarde para isto mas a discussão é necessária para o futuro.

Como início do debate creio que devemos ter duas linhas distintas na carreira: os professores ligados ao ensino e à sua qualidade, essenciais para este novo público, e os professores pesquisadores, para uma parcelas dos alunos que seguirão a pesquisa e formação pós-graduada. Pensarmos em uma Universidade somente Humboldtiana ( o princípio da ideia Humboldtiana de universidade é a famosa “unidade indissolúvel do ensino e da pesquisa”) me parece inatingível nas condições atuais. Concordo com a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão na Universidade , mas creio que isso deveria ser aplicado de forma coletiva, ao curso ou departamento, e não a cada indivíduo isoladamente. Deve haver espaço para pesquisadores brilhantes e professores excelentes atuando juntos, de forma complementar.Talvez devêssemos ter concursos para professores-pesquisadores e outros para professores-professores. Vale a pena fazer somente concursos com critérios de seleção para professores-pesquisadores se na teremos candidatos suficientes com este perfil, e com qualidade? Ficaremos com pessoas por 30 anos num perfil errado? Não seria melhor termos algumas vagas para bons professores-pesquisadores e outras para bons professores-professores? O assunto é quente e merece discussão.

Esta frase do Nizam é exemplar:

“Há quase um ano, pelo menos três vezes por semana,  atravesso um trecho da Av. paulista a pé, quando tenho a oportunidade de notar as diferentes feições, indumentárias e comportamentos dos transeuntes. Recentemente passei a tentar ver as similaridades e surpreso ví mais diversidades do que via antes e me alegrei, pois concluí que o Ser Humano apesar de poder ser definido ontologicamente, não existem espécimes similares são todos distintos”.

Mais recentemente recebi uma referência para um artigo na Folha de São Paulo de 6 de janeiro de Adalberto Fazzio e Sidney Jard Da Silva sobre a “Universidade do Século 21” onde aparece esta citação de Max Weber que me deixou muito satisfeito, por compartilhar da mesma idéia:

“No início do século passado, o renomado sociólogo alemão Max Weber observou que somente por acaso se poderia encontrar em um mesmo homem as vocações de cientista e professor. Apenas em situações fortuitas teríamos a felicidade de entrarmos em uma sala de aula e depararmos com o acadêmico igualmente “vocacionado” para o ensino e para a pesquisa”.

A seguir escrevem os autores:

“O dilema weberiano ainda angustia aspirantes e mestres de diversas áreas do conhecimento. De um lado, estudantes decepcionados por não compreenderem o brilhantismo dos seus professores-pesquisadores. De outro, pesquisadores-professores amargurados por não conseguirem transmitir seus conhecimentos para diligentes alunos”.

É exatamente o ponto que toquei. Há uma forte corrente, inclusive de colegas e bons amigos aqui da UFRGS, que quase me bateram por propor a separação das duas categorias, agora com o apoio de Max Weber me sinto melhor!

Outra contribuição trouxe ao debate a necessidade de integração com o mercado:

“As avaliações do MEC também cobram muito a “inserção de mercado”, “a realidade regional”. Considerando esse e outros aspectos, independentes de quem nos avalia ou como somos avaliados, o aluno precisa sim dessa visão inovadora, do estado-da-arte, mas precisa muito da visão EMPREENDEDORA, da visão PRAGMÁTICA do dia-a-dia profissional. Desculpem-me, mas há muitos professores-pesquisadores que não conseguem apesar do vasto, profundo e detalhado conhecimento de sua área, trazer isso para o aluno. Do contrário, porque o mercado incentiva tanto os estágios (ou os Internships, como no caso dos EUA) ou os programas de trainee?”

Me parece que está claro que há uma necessidade de perfis diferentes e complementares. Aos poucos esta necessidade está sendo reconhecida e fiquei muito satisfeito em saber que dois colegas aqui do II-UFRGS ganharam bolsas de Produtividade Tecnológica do CNPq.

Sobre a avaliação em sala de aula:

“Sem querer diminuir a importância da pesquisa ou inovação em nada, lembro apenas que a pressão e a avaliação pesam sobre a pesquisa quase exclusivamente. ha, portanto, incentivo para fazer melhor pesquisa, incentivo para fazer mais inovação (com empresas), mas nenhum incentivo para melhorar a qualidade de nossas aulas. só melhorar a pesquisa e a inovação, não garantem melhores aulas, claro, embora sem estas duas seja difícil “ensinar” algo interessante nas aulas”.

Parece que está, cada vez mais clara, a percepção que existem carreiras diferentes, apenas escamoteadas por interesses conflitantes e pela falta de vontade em aceitar a pluralidade e as diferenças naturais nos seres humanos.

Algumas contribuições sobre outras Universidades:

“Aqui na Universidade de York onde estou fazendo o doutorado também propuseram um programa semelhante para alunos de pós-graduação, com várias atividades similares ao da Universidade de Waterloo. Os alunos participantes têm até um “orientador pedagógico” durante o ano que passam no programa. O que eu achei interessante aqui, entretanto, foi o tratamento da universidade em relação à qualidade de ensino dos docentes. O desempenho da universidade no ensino (avaliado fortemente por meio de feedback dos alunos) conta muito fortemente na avaliação da universidade, e conseqüentemente, dos docentes”.

Outra no mesmo sentido:

“Acredito que fui privilegiada. Durante o meu doutorado na Universidade de Waterloo no Canadá, eu tive a chance de participar e concluir um programa que a universidade oferecia aos estudantes de doutorado intitulado Certificate in University Teaching.http://cte.uwaterloo.ca/graduate_programs/CUT/index.html

A mensagem do Flávio Wagner é o arquétipo da defesa de professor-pesquisador:

“Numa “universidade de pesquisa”, como na América do Norte e na Europa, todo “professor” deve ser antes de mais nada um bom “pesquisador”. Deve liderar um grupo de pesquisa, orientar alunos, conseguir financiamentos, gerar e transferir conhecimento, interagir com a sociedade através de projetos diversos. Além disto, ele também deve dar aulas na graduação e pós-graduação, transmitindo aos alunos conhecimento em primeira mão. É  claro que se espera que ele tenha boa didática, sabendo transmitir conhecimento e motivar os alunos. Apenas em casos muito específicos existe a contratação de pessoas em regime de tempo parcial para apenas ministrarem aulas. Está muito longe de ser uma regra comum.Nestes países, portanto, não existe a dicotomia “professor” x “pesquisador”. A denominação “professor” pressupõe necessariamente os dois lados da moeda: ensino e pesquisa. Aliás, quem se dedica apenas ao  ensino tem outra denominação (como “teacher”, ou “instructor”, em inglês). Por isto, acho que estamos diante de uma falsa polêmica. Numa “universidade” que se pretende de pesquisa, no Brasil como em outros  países, todo “professor” deve ser necessariamente um bom “pesquisador” e também um bom “educador”. Isto não quer dizer que todos consigam alcançar esta meta. Mas, na América do Norte e Europa, quem não for um bom “pesquisador” com certeza não terá sucesso na carreira”

Meu comentário sobre esta posição é: isto ocorre em todas Universidades dos USA ou da UE? É possível que todas as Universidades sejam de pesquisa como Stanford ou de Carnegie Mellon? Há recursos para isto? Todos os egressos de uma Universidade devem ser pesquisadores? A seguir outra opinião sobre uma destas Universidade

“Aqui na Carnegie Mellon, um professor-pesquisador precisa ser doutor enquanto um professor-instrutor precisa no máximo ter o título de mestre (por exemplo, engenheiros ou cientistas que fizeram carreira em industrias são freqüentemente professores-instrutores, pois sabem expor a matéria de forma clara e objetiva).  Um professor-instrutor é freqüentemente contratado em tempo parcial, pois muitas vezes ele continua trabalhando em indústrias (IBM, Google, Microsoft, etc.). Esse é um dos fatores que aumenta a interação academia-industria. Ambas as carreiras seguem a titulação de professor assistente/associado/titular (por exemplo, assistant teaching professor, associate teaching professor no caso de professor-instrutor). Em termos de salário e prestígio, é claro que um professor-pesquisador possui maior prestígio e autonomia, mas em relação ao salário não é muito diferente. O diferencial aqui é que um professor-pesquisador pode complementar seu salário fazendo consultoria, e utilizando parte do auxílio financeiro que paga as despesas  com projetos científicos. Ou seja quanto melhores seus resultados de pesquisa o professor-pesquisador terá mais projetos financiados e portanto seu salário será. Quando o projeto é enviado, normalmente é especificado o quanto será gasto com recursos humanos (quanto os professores, alunos, programadores, etc., irão receber para realizar o projeto). Esse modelo é pouco difundido em outros países, mas ao meu ver é o que faz as universidades americanas serem o centro de excelência. Quem é bom em pesquisa, faz pesquisa e quem é bom em ensinar, leciona. Prático e eficaz”.

Um comentário sobre a França

“Na França existem três tipos de aulas para uma mesma disciplina: aulas  magistrais, aulas dirigidas e aulas práticas. As aulas magistrais são ministradas geralmente por professores-titulares (professeurs) em auditórios, as aulas dirigidas ou aulas práticas são ministradas por  professores adjuntos (Maître de Conferénces) ou mesmos professores assistente (A.T.E.R)  com turmas menores em salas de aula ou laboratórios. Além disso, existe a  carreira de somente de pesquisador. O sistema funciona bem”.

Concluindo: acredito que realmente precisamos aprofundar o debate, pela diversidade das opiniões e pela qualidade de cada argumentação é absolutamente claro que não ha consenso sobre o assunto. Por outro lado, como dizia aquele comercial, a mudança na vida real está nos obrigando a “revisar os nossos conceitos”.

Observação: Esta crônica contém material enviado como colaboração na lista SBC-l por  Alexandro Adário, André Pimenta Freire, Carlos Maziero, Flávio Wagner, Geber Ramalho, Nara Martini Bigolin , Nizam Omar, Seiji Isotani a quem agradeço pela contribuição e ressalto que o uso destes conteúdos é de minha inteira responsabilidade não implicando os autores originais em nenhuma responsabilidade pela minha interpretação dos mesmos.

(Acessos 323)