Livros, Revistas e Artigos Eletrônicos: Cultura, Qualidade e Tecnologia

A essência da tecnologia não é algo tecnológico.

H. Heidegger


Em 1455 Johann Gutenberg (1398-1468) revolucionou o mundo com a invenção dos tipos móveis e conseqüentemente da imprensa moderna. Esta invenção foi um dos elementos que desencadeou o fim da Idade Média estimulando o Renascimento. O Renascimento apresentou, entre outras, a característica de ter tornado acessíveis para um grande público obras como a Bíblia e outros textos da antiguidade clássica através da publicação de livros impressos. Parte dos historiadores considera este fator como um dos mais importantes para a efervescência e criatividade que marcaram este período da história. Antes os livros, ricamente ilustrados e manuscritos, eram restritos aos nobres e aos conventos. A disseminação do conhecimento clássico permitiu que muitos passassem a interpretá-lo a partir dos originais dos livros, a criar novas versões e ampliar a possibilidade de divulgar seus pensamentos sem a necessidade de contar com monges-copistas para reproduzirem os livros, mas ainda com a necessidade de obter uma permissão para publicá-los.

Uma das mais significativas características dos livros é a perenidade. Um livro, impresso em papel de qualidade, pode durar centenas de anos ou mesmo milênios se bem armazenado. Desta forma os livros são referências importantes para a consolidação do conhecimento. Posteriormente surgiram as revistas impressas que formavam acervos importantes nas bibliotecas e eram, também, fontes de referência estáveis. Em muitas áreas de conhecimento, como nas Ciências Humanas, os livros são considerados a fonte básica de conhecimento e fortemente considerados na avaliação da produção acadêmica. Aqui é bom notar que a avaliação da qualidade, neste caso, não é baseada em uma métrica simples de citações, mas na avaliação da influência real do autor na sociedade ou em sua área de conhecimento. É necessário reconhecer que a importância dos livros é, em grande parte, associada a sua perenidade; um livro lido, referenciado, estudado continuará disponível por um tempo indeterminado. Suas diversas cópias, existentes em múltiplas bibliotecas, garantem a sua perenidade.

Após os livros surgiram as revistas como forma de divulgação do conhecimento. Em particular as revistas acadêmicas, em que os artigos passando por um processo de avaliação externo, são considerados fontes confiáveis e valorizadas. Além disto, bibliotecas com muitos recursos financeiros têm grandes acervos de revistas impressas. Novamente estamos frente à percepção de que a qualidade e a importância são asseguradas pela ampla disponibilidade. As revistas passam a ser consideradas como referências estáveis e, nas áreas de desenvolvimento mais rápido como, por exemplo, a física, a engenharia e a biologia, como mais importantes mesmo que os livros.

A seguir, surgiram as bibliotecas digitais, suportadas por casas editoras com versões eletrônicas de suas publicações em papel. A venda de artigos pela Internet é uma ação similar à venda de músicas ou filmes por sites em vez de venda em gravações de CDs ou DVDs. Os editores de música precisaram oferecer uma alternativa, a preços aceitáveis, para os usuários. Hoje a Apple com o iTunes [1] vende mais músicas do que os tradicionais CDs. A partir deste momento o acesso às revistas tornou-se amplo e, principalmente, imediato. Mesmo com o acesso instantâneo a estas publicações o processo editorial continua exatamente o mesmo que o do tempo da imprensa tradicional e, principalmente com altos custos de acesso. Aqui surge a necessidade de uma discussão maior sobre os aspectos econômicos deste sistema editorial. A maior parte das pesquisas é realizada com recursos governamentais, após os resultados são enviados para conferências, revistas ou capítulos de livros e, quando aceitos, é necessária a transferência dos direitos autorais para as editoras que ficam com todo o lucro. Apenas no caso de livros os autores recebem uma parcela dos lucros como direitos autorais.

  A alternativa de publicação comercial via Web, as bibliotecas digitais comerciais – tratadas acima – tornou-se uma necessidade para as editoras competirem com a publicação dos resultados das pesquisas e de trabalhos acadêmicos não somente por páginas de grupos de pesquisa, mas também pela publicação de artigos de forma totalmente livre na Internet, como é o caso do arXive [2] dos físicos como, por exemplo, este artigo: “Statistics for Ranking Program Committees and Editorial Boards” [3]. Alternativamente há a possibilidade da publicação de revistas de forma eletrônica com acesso livre, mas mantendo todo o processo de análise de qualidade (reviewing) e de editoração como o disponibilizado pelo sistema SEER do IBICT baseado no OJS [4]. Neste caso temos uma publicação com a mesma análise de qualidade das publicações tradicionais em papel, mas com a possibilidade de acesso livre pela Web. Um exemplo desta alternativa é a “Revista de Informática Teórica e Aplicada” [5] editada pelo Instituto de Informática da UFRGS.

A era digital de publicação livre se desenvolveu com a publicação de páginas Web, continuou com as listas de discussão e logo a seguir apareceram os blogs. Estas formas de publicação digital possuem características próprias e bem diferentes daquelas dos livros e revistas em papel, a falta de revisão externa e a transitoriedade ou falta de perenidade. Uma página Web um artigo em um Blog não é um elemento estável, nunca sabemos se amanhã ainda estarão disponíveis. Além disto, há um problema de certificação da sua qualidade é preciso o desenvolvimento de formas de certificação de sua proveniência e qualidade.

Mais recentemente apareceram novas formas de publicações eletrônicas com avaliação social da qualidade dos artigos como a Wikipédia. A partir deste modelo estão sendo aperfeiçoadas formas de atribuir níveis crescentes de autoridade e de credibilidade aos autores. A perspectiva é de que consigamos, em um prazo médio, de um novo modelo de publicações desenvolvido especificamente para a nova realidade tecnológica da Web. Este modelo deve ser devidamente aceito e utilizado para o reconhecimento da produção intelectual dos autores cooperativos. Esta será uma real revolução e a abertura da possibilidade de trabalho cooperativo e não egoístico, totalmente distribuído. A última e revolucionária inovação tecnológica foi o aparecimento de leitores dedicados para livros eletrônicos. Estes equipamentos apresentam uma grande facilidade de leitura, pois suas telas são muito similares às folhas de papel, não são iluminadas, apenas refletem a luz com um branco muito claro e um negro saturado. Com esta tecnologia é estimulada a autopublicação, em que o autor é seu próprio editor e publicador através de serviços disponíveis na Internet.

Nenhuma destas formas de publicação teria algum efeito de importância social se não fosse aceito e difundido em grandes estratos da sociedade. Esta é a justificativa para a afirmação de que a tecnologia por si não traz grandes mudanças, apenas a sua utilização por um grande número de usuários pode gerar mudanças radicais de comportamento. A Web abriu todas estas novas possibilidades de publicação; estamos em uma fase revolucionária da divulgação do conhecimento, tão importante quanto aquela criada pela imprensa de Gutenberg.


[4] Open Journal Systems (OJS) is a journal management and publishing system that has been developed by the Public Knowledge Project through its federally funded efforts (USA) to expand and improve access to research.

(Acessos 137)